terça-feira, 8 de abril de 2014

Análise literária: "A Metamorfose", de Kafka.


  A Metamorfose foi o primeiro livro solicitado a mim no Ensino Médio, e eu posso assegurar-lhe que fiquei assustada (não sei se foi o objetivo do professor ou se estávamos só começando e eu estava correta em assustar-me à primeira leitura). Em 85 páginas, Franz Kafka me trouxe sentimentos de aversão por um livro por sentir dificuldades em interpretá-lo. Os três dias que guardei meu tempo livre para o livro foram de questionamento quanto ao porquê de quase toda obra. Ainda me pergunto como conseguiria um homem escrever um livro em apenas vinte dias que causasse sensações tão raras e diversas no leitor. Eu dormia enquanto lia o livro, lendo os detalhes que me pareciam desnecessários, mas não deixava de dormir com certa dúvida em mente, angustiada. 

São 3 capítulos, todos detalhando as dificuldades de transição e convivência do protagonista como um inseto indefinido, de tamanho humano. O primeiro retrata o início da metamorfose, a dificuldade em relação ao trabalho. O segundo, a dificuldade nas relações familiares e sua rejeição. O terceiro, sua morte física. O narrador é Onisciente e a época indefinida, apesar do tempo cronológico. São cerca de 9 personagens durante toda a obra.




Gregor Samsa é um trabalhador comum que sustenta os pais e a irmã adolescente, Grete. O livro trás uma confusão em seu enredo, a qual se diz respeito da irmã e sua relação com Gregor. O homem recém-metamorfoseado, via a mais nova como uma alma pura e boa, disposta a ajudá-lo mesmo naquela forma de inseto "monstruoso". Isso fica visível, por exemplo, no trecho a seguir:

"...Se ao menos a irmã estivesse aqui! Ela era esperta.... teria fechado a porta do apartamento..." (p. 27, cap. 1)

E realmente, Grete o ajuda no início de seus dias pós-metamorfose.  A confusão está no fato da irmã tê-lo desprezado no fim da história, ter menosprezado seu vínculo familiar e o olhado, finalmente, com olhos "amadurecidos". Ela pareceu se sentir mais autoritária e apenas sua ingenuidade a mantinha alimentando o suposto irmão. Seus pais não viam mais utilidade em Gregor, até que Grete também abriu seus olhos da mesma maneira dos pais. Isso fica claro no seguinte trecho:

"...Não quero pronunciar o nome do meu irmão diante desse monstro e por isso digo apenas o seguinte: precisamos tentar nos livrar dele." (p. 74, cap. III)

Perdendo seus olhos infantis, fica obscuro que um certo peso de responsabilidade caiu nos ombros da garota, que acabou por tomar o lugar de filha ao invés do irmão. Seus pais, caso interessantíssimo e crítico, obviamente viam o filho mais velho -- antes da metamorfose -- como uma máquina de dinheiro e trabalho. Eles diziam precisar dele, mas apenas dependiam do homem, que colocava a responsabilidade de cada um em si próprio, tendo de sustentar sozinho quatro pessoas. Após a metamorfose, todos começam e trabalhar e percebem a inutilidade (perceptível na expressão "nos livrar" da irmã) ainda maior de Gregor, que só era "seu filho" por participar ativamente do pagamentos das contas. Até então começou a ser visto como um obstáculo, um empecilho (até um monstro pela sua forma e aparência), que depois da morte (eliminação do obstáculo) causou um alívio geral na casa. A morte física de seu próprio filho e irmão.

Sobre a crítica da história, é quase transparente e facilmente visível se pararmos pra pensar.

A Metamorfose não é uma obra onde tudo está explícito e nem ao menos lá. A primeira frase já é o ápice (o clímax) do livro, o acontecimento principal e o que dá nome ao título. E não há nada explicando o porquê. Nenhum pensamento mítico ou até científico justificando a transformação de um homem em um inseto de tamanho humano. Apenas se metamorfoseou, sem mais nem menos! E o pior: tudo com que ele se preocupa é com o atraso no trabalho! E aí está, a angústia.

Isso é exatamente o que o texto parece querer provocar no leitor: a agonia, a aflição. Não conseguimos acreditar na possibilidade de alguém que transformou-se em um inseto grotesco e começou a se desentender com a família por isso, não tente explicar-se ou se coloque em dúvida quanto às origens do problema. Mas Kafka tenta não se voltar a história em si, mas também coloca uma crítica à sociedade da época, que se aplica, inclusive, atualmente. Fica claro o capitalismo presente, a necessidade de trabalho, dinheiro, rotina... tudo que foi perdido por Gregor após sua metamorfose.

Um trecho que pode, muito bem, demonstrar seu vício pelos hábitos e rotinas, é uns dos primeiros pensamentos de Gregor quando acorda metamorfoseado:


"-- Que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco (...)? -- pensou, mas isso era completamente irrealizável, pois estava habituado a dormir do lado direito e no seu estado atual não conseguia se colocar nessa posição." (p. 8, cap. I)

O modo como o início do parágrafo foi escrito intensifica a total impossibilidade (pelo uso de "completamente irrealizável") dele fugir do hábito mesmo que seja só dormir em uma posição diferente da de costume. Nem ao menos se ele precisasse ou quisesse, além de não ter outras opções. 

Gregor não gostava do trabalho, que lhe cansava e não permitia com que fizesse amizades "autênticas", pois era um viajante. Saía cedo de casa e passava o dia em viagens, com um chefe que não o agradava. Porém, estava no trabalho pelos pais, e mostra isso com clareza; não só na sua insatisfação, mas em frases como:


"...voaria no ato para rua. Aliás, quem sabe não seria muito bom pra mim? Se não me contivesse, por causa dos meus pais, teria pedido demissão há muito tempo; teria me postado diante do chefe e dito o que penso do fundo do coração." (p. 9, cap. I.)

O fato dele estar debilitado o privou de benefícios: na sociedade não há espaço para o inválido. E o livro mostra como, débil, Gregor sente-se sozinho e excluído. Debilitado, é rejeitado até pela irmã, a mais afetiva e querida. Como a preocupação dos pais e da sociedade era apenas valores monetários, ele era descartável.

Ao mesmo tempo, há um certo humor, definido pela despreocupação do protagonista em estar de fato na forma de um inseto.

Por mais que tenha sido algo horrível, ele se sentia livre, de certo modo. Livre das obrigações, e quem agora era dependente era ele, não os pais. Exatamente um inverso. Seus pais eram como insetos, que parasitavam o trabalho do filho até a metamorfose -- quando o inseto enfim era Gregor. Uma certa inversão de papéis, que acabou por terminar na tentativa de abandono do inseto-filho, que os parasitava.

E aí está a crítica. O filho não tem relevância, não há sentimento senão o capitalista, do trabalho, dinheiro e lucro. O que era de importância para o pai e a mãe não era Gregor, o filho e seus sentimentos a ele; era a vantagem que ele trazia para a família: o capital. E essa era a sociedade criticada. Logo após a morte do inseto-filho e da -- sequer existente -- gota de esperança que ele trazia de possivelmente voltar como um ser humano, os pais voltam-se para Grete e percebem precisar de um meio de ganharem dinheiro por ela. Afinal, a irmã mais nova tomara o lugar de Gregor. Ela precisava de um marido, já que a visão machista do mundo era que "o homem que ganhava dinheiro e a mulher cuidava da casa". Os pais, obviamente, estavam cogitando procurar um homem rico para casar-se com sua filha.

Para o final, é esperada a decepção do leitor com a tragédia. O protagonista morre, após praticamente sofrer toda a vida para sustentar a família -- que sai como se a morte dele fora vantagem. Mas é a surpresa, é a retratação do pessimismo, que acaba acontecendo em quase a obra toda. De certo modo, Gregor Samsa já estava social e psicologicamente morto.


Objetivo: estudo.

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